terça-feira, 7 de agosto de 2012

O amor é lindo


VOLVER A LOS 17, por Madô Martins

O ipê da calçada em frente já floriu, enfeitando a quadra como faz todos os anos. Reparei por acaso uma outra noite, quando a luz do poste iluminava sua copa repleta de flores delicadas, e o achei mais rosado desta vez. Na manhã seguinte, fui conferir a impressão e, de fato, o ipê, que não é uma árvore jovem e sempre exibiu pétalas quase brancas, este ano ganhara mais cor.
     
Como acho mensagens em tudo, comecei a pensar nas pessoas que têm a sorte de voltar a amar e ser amadas na maturidade. Florescem, como aquele ipê que conheço há quase seis anos, passando a viver a vida com mais intensidade. E se dão a oportunidade de encontrar surpresas pela frente, quando já não acreditavam se surpreender com coisa alguma.
     
Voltam a ter 17 anos. Têm taquicardia, sem se preocupar com a pressão ou o trigliceres. Esquecem compromissos, distraem-se durante a leitura, perdem as chaves, mas nada disso tem a ver com o ameaçador Alzheimer. As mãos tremem, e não é Parkinson. A vista fica turva, e não é catarata. Sorriem por nada, tornam-se condescendentes, superam obstáculos com mais facilidade, começam a reparar nos sutis sinais que o amor lhes mostra a toda hora: pessoas que se reencontram e se abraçam longamente, demonstrando saudade; um casal idoso que passeia de mãos dadas; dois gatos que brincam na rua deserta antes do namoro...
     
Aí, novamente como o ipê, sentem-se olhados pelos demais, porque emitem aquela luz própria dos apaixonados. Ouvem elogios – “você está tão bonita(o)”, “você está tão bem” – e só se sentem completos ao lado do(a) amado(a). Vão se aprumando, elas cuidando da aparência e resgatando o esquecido encanto feminino; eles, de se vestir melhor, ligar o som do carro porque elas gostam, ouvir suas histórias intermináveis, escolher o melhor programa. E ambos ainda precisam reformular a agenda, porque as prioridades mudaram por inteiro e é urgente arranjar tempo só para os dois.
    
Como aos 17, perdem o sono, o apetite, voltam a fazer planos e a trocar olhares, às vezes de mormaço, quando o desejo se instala, outras de ternura e cumplicidade que enchem a alma de sol. E já que falamos em desejo, ele existe sim, apesar das dúvidas que a idade traz. A pele, a qualquer tempo, continua sendo um órgão sensível e sabe reconhecer afinidades. Numa carícia mais intensa podem aparecer cãibras, mas logo passam e são esquecidas. Pudores há sempre, sejam pelo físico que já não é o mesmo, pelo eterno duelo entre desempenho e emoção, pelos laços afetivos externos, os filhos, os netos, os ex, os falecidos, os parentes mais próximos... Após tantas décadas de vida, são muitos os fios que os enredam. Sem falar dos amigos.
     
Ah, os amigos! Que os conhecem tão bem que, só com uma rápida olhada, sabem o que está acontecendo. Uns se ressentem, sentindo preterida a amizade, até então único bem partilhado. Outros festejam, torcendo pela sorte do novo casal, associando-se de pronto ao clube da felicidade. Estes, sem sombra de dúvida, compreendem o que é volver a los 17 después de vivir um siglo.
     
Porque, ao lado da paixão igual à dos 17, os amantes maduros têm como adicional o amor ponderado, em que um aceita o outro como é e só quer o seu bem; um amor cuidadoso, que procura tratar com zelo as feridas que o outro traz do passado e não causar nenhum novo ferimento; um amor baseado na sinceridade e no carinho, empenhado em acertar e durar. 

(texto da escritora Madô Martins mado.escritora@gmail.com, publicado em A Tribuna de 29/07/12)


    

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