VOLVER A LOS 17, por Madô Martins
O ipê da calçada em frente já
floriu, enfeitando a quadra como faz todos os anos. Reparei por acaso uma outra
noite, quando a luz do poste iluminava sua copa repleta de flores delicadas, e
o achei mais rosado desta vez. Na manhã seguinte, fui conferir a impressão e,
de fato, o ipê, que não é uma árvore jovem e sempre exibiu pétalas quase
brancas, este ano ganhara mais cor.
Como acho mensagens em tudo, comecei a
pensar nas pessoas que têm a sorte de voltar a amar e ser amadas na maturidade.
Florescem, como aquele ipê que conheço há quase seis anos, passando a viver a
vida com mais intensidade. E se dão a oportunidade de encontrar surpresas pela
frente, quando já não acreditavam se surpreender com coisa alguma.
Voltam a ter 17 anos. Têm taquicardia, sem
se preocupar com a pressão ou o trigliceres. Esquecem compromissos, distraem-se
durante a leitura, perdem as chaves, mas nada disso tem a ver com o ameaçador
Alzheimer. As mãos tremem, e não é Parkinson. A vista fica turva, e não é
catarata. Sorriem por nada, tornam-se condescendentes, superam obstáculos com
mais facilidade, começam a reparar nos sutis sinais que o amor lhes mostra a
toda hora: pessoas que se reencontram e se abraçam longamente, demonstrando
saudade; um casal idoso que passeia de mãos dadas; dois gatos que brincam na
rua deserta antes do namoro...
Aí, novamente como o ipê, sentem-se olhados
pelos demais, porque emitem aquela luz própria dos apaixonados. Ouvem elogios –
“você está tão bonita(o)”, “você está tão bem” – e só se sentem completos ao
lado do(a) amado(a). Vão se aprumando, elas cuidando da aparência e resgatando
o esquecido encanto feminino; eles, de se vestir melhor, ligar o som do carro
porque elas gostam, ouvir suas histórias intermináveis, escolher o melhor
programa. E ambos ainda precisam reformular a agenda, porque as prioridades
mudaram por inteiro e é urgente arranjar tempo só para os dois.
Como aos 17, perdem o sono, o apetite, voltam
a fazer planos e a trocar olhares, às vezes de mormaço, quando o desejo se
instala, outras de ternura e cumplicidade que enchem a alma de sol. E já que
falamos em desejo, ele existe sim, apesar das dúvidas que a idade traz. A pele,
a qualquer tempo, continua sendo um órgão sensível e sabe reconhecer
afinidades. Numa carícia mais intensa podem aparecer cãibras, mas logo passam e
são esquecidas. Pudores há sempre, sejam pelo físico que já não é o mesmo, pelo
eterno duelo entre desempenho e emoção, pelos laços afetivos externos, os
filhos, os netos, os ex, os falecidos, os parentes mais próximos... Após tantas
décadas de vida, são muitos os fios que os enredam. Sem falar dos amigos.
Ah, os amigos! Que os conhecem tão bem
que, só com uma rápida olhada, sabem o que está acontecendo. Uns se ressentem,
sentindo preterida a amizade, até então único bem partilhado. Outros festejam,
torcendo pela sorte do novo casal, associando-se de pronto ao clube da
felicidade. Estes, sem sombra de dúvida, compreendem o que é volver a los 17 después de vivir um siglo.
Porque, ao lado da paixão igual à dos 17,
os amantes maduros têm como adicional o amor ponderado, em que um aceita o
outro como é e só quer o seu bem; um amor cuidadoso, que procura tratar com
zelo as feridas que o outro traz do passado e não causar nenhum novo ferimento;
um amor baseado na sinceridade e no carinho, empenhado em acertar e durar.
(texto da escritora Madô Martins mado.escritora@gmail.com, publicado em A Tribuna de 29/07/12)
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